Xadrez Osasco
MONTEIRO LOBATO,
O ENXADRISTA
Wagner Martins Madeira
Uma faceta pouco conhecida da vida de Monteiro Lobato aparece com força na correspondência trocada com Godofredo Rangel: a do enxadrista, apaixonado pelo jogo milenar. Nos dois tomos intitulados A Barca de Gleyre, os dois amigos jogam xadrez postal, algo inimaginável para um leigo da modalidade. Sim, leitor incrédulo, é possível fazê-lo, aliás, há séculos se faz. Hoje mais facilmente com a agilidade propiciada pelo correio eletrônico. Nas primeiras décadas do século XX, Lobato carregava seu tabuleiro a tiracolo onde estivesse – Areias, Caçapava, Rio de Janeiro, Santos, São Paulo, Taubaté – para disparar seus lances epistolares em direção ao amigo Rangel. Mais que xadrez em si, interessa aqui decifrar nas entrelinhas desse jogo que nunca tem fim o que pensa o homem e o escritor Monteiro Lobato. A propósito, lembro aqui do historiador Elias Saliba, emérito professor da USP, que se regalava em sala de aula – e os seus alunos idem – com o sabor inconfundível proveniente de cartas pessoais, documentos sem travas, sem peias, e, portanto, o meio mais transparente para desnudar as complexidades de um personagem histórico.
Comecemos por uma carta bastante reveladora nas suas possibilidades metalinguísticas, em que nos atreveremos a desmentir o próprio escritor, então imbuído de uma fórmula de modéstia:
Que ideia sinistra a tua, de publicarmos as minhas cartas! Seria dum grotesco supremo, porque cartas só interessam ao público quando são históricas ou quando oriundas de, ou relativas a, grandes personalidades. No nosso caso não há nada disso: não são históricas e nós não passamos de dois pulgões de roseira – eu, um pulgão publicado; você, um pulgão inédito. O interesse que achas nas tais cartas é o interesse da coruja pelas peninhas dos seus filhotes. Formam um álbum de instantâneos da nossa vida. Mas o público quer penas de pavão, plumas de avestruz ou aigrettes de garça: não quer peninhas de filhote de coruja. Todos iriam rir-se de nós, além de que estão cheias de maldadezinhas endereçadas a amigos e conhecidos, sobretudo por mim, que tenho a mania de arrasar tudo, a começar por mim mesmo. Não. Varra com a ideia .[1]
Aproveitemos o trecho para lançar âncora e fazer uma pequena pausa, aportando na metáfora escolhida por Lobato para nomear os dois volumes de sua correspondência com Rangel, que foi inspirada no quadro de Charles Gleyre, denominado originalmente “Le Soir”, mas consagrado pelo público no Salão de 1843 em Paris como “Les Illusions Perdues”, em vista do sucesso do romance de Balzac recém-publicado em folhetim. O jovem Lobato, então com 22 anos, temia que sua vida e a de Rangel culminassem em fracassos, tal qual a expressão de melancolia de um solitário e cabisbaixo poeta no porto, dramaticamente representada no quadro do pintor francês :[2]
Literalmente fora da barca, o resumo da écfrase não poderia ser outro que não a da condição paratópica do poeta na sociedade burguesa francesa de meados do século XIX. Lobato temia o isolamento, ele que sempre quis um lugar de destaque, um homem por natureza participante que embarcou como militante em incontáveis lutas literárias, artísticas, educacionais e políticas. Numa projeção teleológica, navegando pela história das décadas seguintes, não há como não discordar de Lobato, ressalvando, contudo, que no calor da hora não tinha como saber da importância que viria a alcançar no universo cultural brasileiro. Sem contar que no texto transcrito acima já transparece a noção exata do que o público da época queria, algo que o escritor saberá explorar como poucos no Brasil. Mais que tudo, nos deleitamos com o seu estilo de escritura avesso ao solene, moderno em toda a linha, sintético, cortante, dessacralizado. Rimos sim, Lobato, mas é do seu peculiar humor do rebaixamento, diferentemente do estilo grave e empolado dos escribas parnasianos que dominavam nossa literatura à época. Nesse sentido, navegar na Barca de Gleyre é desvelador do que vem a ser a linguagem do escritor e não apenas algo tópico, circunstancial ou pitoresco.
A frequência do tema linguagem, ao longo da correspondência e da obra lobatiana, sanciona a hipótese de que cada livro de Monteiro Lobato – na realidade, cada edição de cada obra sua – constitui uma experiência de estilo, levada a cabo por um escritor consciente de que o trabalho artesanal com a linguagem é requisito da profissão. E, efetivamente, vários estudos apontam e aplaudem a inventividade com que Monteiro Lobato se move, no mundo da linguagem .[3]
Isso posto, chegou o momento de içar âncora e velejar no mundo do xadrez, nosso leitmotiv, que vai aparecer pela primeira vez como figuração de modelo de conduta política, uma questão de enorme seriedade para o imberbe e atuante Lobato: Ando com ideia de traduzir o Príncipe de Machiavel. Nossos tempos são corruptos sem estilo e sem filosofia. Com o Machiavel bem difundido, teríamos um tratado de xadrez para uso destes reles amadores .[4]
O Brasil vivia a política oligárquica do “café-com-leite”, com mineiros e paulistas revezando-se no poder no início da Primeira República. É bem verdade que no momento em que Lobato escreve os paulistas governam já há três mandatos, desde 1894, portanto lá se vão dez longos anos. Um mineiro de Santa Bárbara do Mato Dentro, Afonso Pena, chega ao poder apenas em 1906. Contra os vícios dessa política muitos se insurgiram, Lobato foi um dos mais contundentes. Podemos depreender que a falta de estilo mencionada por ele refere-se sobretudo ao coronelismo reinante, resultado de uma política truculenta, respaldada mormente em fazendeiros brucutus, proprietários de terras “que convocam dependentes ou agregados para formar as hostes militares ou paramilitares” . Combatente de eventuais desordens, o chefe local, o coronel, é a expressão da política oligárquica de então, apoiada num modelo privado imiscuído na coisa pública, que extinguia uma cidadania plena em troca de favores individuais.
Três anos depois, outro braço dos mais fortes na prática política conservadora, a igreja católica, também era alvo do missivista incrédulo, com o jogo de xadrez fazendo o contraponto profano da onipresente atmosfera de culto ao sagrado:
Na sexta-feira santa peguei no xadrez quando o padre pegou na festa, e larguei do xadrez quando o padre largou da festa, entre estouros do sábado da aleluia e espedaçamento de judas .[6]
Qualquer pesquisador, mesmo o noviciado, não precisa se aprofundar muito em suas investigações do período para entender do que o escritor está falando. Lembro apenas para ilustrar o exemplo do teatro da época, que interrompia suas encenações de carreira, e era todo ele tomado de assalto pelas indefectíveis encenações da paixão de Cristo. Lobato se esconde do culto ubíquo e instaurador de práticas que beiram à histeria coletiva e mergulha numa religião particular, a do universo do tabuleiro de xadrez.
Não pense o leitor, no entanto, que o xadrez servia apenas para mediar assuntos de maior gravidade. O humor de Lobato, notório em toda a obra também se faz presente em circunstâncias mais prosaicas. Vejamos um trecho de uma carta em que se mesclam o trocadilho e o seu peculiar rebaixamento, além de uma pitada de língua francesa, manifestação cultural dominante à época:
Não entendi a tua anotação do xadrez. P2CRB – qu’es-ce que cést que ça? Peão na 2ª casa do Cavalo do Rei branco? Mas se a 2ª do Cavalo é a casa primitiva do peão! Que cavalo me estás saindo... Mas para não perder tempo, começo eu com as brancas: 1 – P-R4 (...)
O leitor me permita a interrupção da carta para um reparo e uma ilustração. Lobato inverteu a anotação do lance, na verdade a anotação descritiva correta é 1–P4R e não 1 – PR4 . Posso assegurar que é o lance inicial preferido em todos os tempos pelos mais insignes enxadristas, desde o espanhol Ruy López de Segura, no século XVI, passando pelo francês François Philidor no século XVIII, o austríaco Wilhelm Steinitz no século XIX, primeiro campeão oficial do mundo, até chegarmos aos contemporâneos, o estadunidense Bobby Fischer, o russo Garry Kasparov e o indiano Viswanathan Anand. Mesmo a maioria dos chamados “paturebas”, gíria usada no meio enxadrístico para identificar os jogadores mais fracos, têm a mesma preferência. O lance está ilustrado no diagrama a seguir, ou seja, peão à quarta casa do rei:
(...) Mande as jogadas de acordo com o sistema do recortezinho junto, que tirei do Weekly Times – mas mande em português. Para quando o Problema? Vou propalar entre os Cães a grata nova do teu breve parto .[7]
O “Problema”, mencionado por Lobato, permite supor que Rangel se atreveria a ser um compositor de diagramas artísticos do jogo, algo que pode ser explicado numa proposta de charada a ser desvendada por um enxadrista, como a solução de um xeque-mate em um ou dois lances, por exemplo. Não é uma tarefa fácil a da composição, é para poucos, e Lobato ironiza o atrevimento do amigo. Afora o senso de humor marcante, percebe-se a precariedade de formação dos incipientes jogadores brasileiros, confusos nos lances que estão trocando e que precisam de recortes de jornais estrangeiros, os chamados diagramas, para suprir a ausência de literatura enxadrística nacional. Impossível não associar por similaridade aqui à mesma condição enfrentada pouco antes por Machado de Assis, que apelava via correspondência ao dileto amigo e embaixador Joaquim Nabuco para que igualmente mandasse recortes de xadrez de publicações do exterior. Segundo consta, Machado teria ficado em 3º lugar no primeiro torneio de xadrez no Brasil, ganho pelo seu amigo pianista Arthur Napoleão, que supostamente lhe teria ensinado a jogar .[8]
Não é fortuita a lembrança e associação ao nosso maior escritor. Monteiro Lobato e Machado de Assis viam no xadrez um jogo de raciocínio, conduzido pela inteligência humana, mediado por intrincadas estratégias e não pelo imponderável dos inúmeros jogos de azar. Daí a paixão dos dois ilustres escritores pelo jogo de xadrez. As coincidências, no entanto, param por aí. Machado execrava práticas como as do jogo do bicho, loterias, corrida de cavalos, briga de galos, etc., que arruinavam a economia popular dos crédulos brasileiros da Primeira República. Lobato, por seu turno, era mais tolerante, não foi um combatente contra estas práticas, se deixando levar pela ludicidade própria da condição humana. Não poderia ser diferente, como bem demonstram os incontáveis jogos que propõe para a petizada no Picapau Amarelo e nas suas demais obras infanto-juvenis. Vejamos, para ilustrar esse espírito lúdico, um trecho longo de uma missiva, por si esclarecedor:
Sabes o que é a roleta, juiz? Durante a ação, uma luta tenaz entre o Homem e a Sorte. Depois, uma alegre ou melancólica ressaca, em que relembramos os lances bons, ou maus, as coincidências e mil coisinhas que só os jogadores entendem. Como no xadrez. Explique você a um leigo a beleza dum cavalo que come a dama e dá cheque [sic] – e o leigo não vê beleza nenhuma. Mas no xadrez temos como adversário a ciência do parceiro; na roleta o adversário é o Destino. A deusa Sorte rodeia a mesa do pano verde (há que ser verde, como as venezianas que se prezam) e ora se reclina sobre o ombro de um jogador, ora sobre o de outro, e aqueles momentâneos beneficiados pelos reclinos ganham – e é l’ebrezza. Ontem perdi sistematicamente durante uma hora. Parei. Deixei transcorrer dez bolas nas quais os meus palpites não deram. Na décima primeira rebentou um deles. “É hora!” disse eu comigo e voltei a jogar. Senti no ombro a pressão dum seio – era a deusa que dera a volta e parara atrás de mim. Joguei forte no 17. Deu. Parei um instante, sondando. Nova pressão no ombro. Joguei forte no zero. Deu. Repeti o jogo. Deu. Carreguei no double zero. Deu. Arregalamento de olhos da assistência. Eram as melhores bolas da noite, e “em seco”, o que é raro. Creio que vem dessa noitada o meu estado d’alma de hoje – uma ressaca feliz .[9]
Deixando de lado a seriedade resultante das possíveis comparações filosóficas entre ciência (jogo de xadrez) / destino (jogo da roleta), em confronto com a frivolidade de irresistível malícia (cavalo que come a dama...), como não lembrar aqui do Lobato empreendedor, futuro dono de editora, escritor famoso, publicista, ou então aquele outro fascinado pelo capitalismo americano e o que o mesmo representa de possibilidade de fasto e enriquecimento? É o mesmo Lobato pragmático de sempre, que sabe a hora de dar o bote, seja no jogo, seja na política, seja na vida empresarial como escritor de sucesso e entende que é preciso arriscar a sorte para atingir seus objetivos.
Na sequência da mesma carta anterior, Lobato defende um estudo mais aprofundado da ideia de jogo, que fosse menos tacanho e antiquado do que de hábito. O trecho exala indiscutível hedonismo e revela a modernidade do escritor, que se insurge contra a moral conservadora reinante, se mostrando concernente com a revolução de costumes que a psicanálise e outras manifestações culturais já representavam naquele momento histórico. Lobato, avant la lettre, antecipa algo próximo do que o existencialismo de Sartre consagraria décadas depois, a noção do Diabo como o Outro:
Não conheço nenhum estudo psicológico do jogo. Em geral, sobre ele só escrevem os moralistas, gente bocejante e sermonaria. Cheira-me que o jogo não é o que esses Catões dizem, já que se entronizou tão sólido na vida humana, como pé duma tripeça: Bebida, Mulher e Jogo. Dizem os teólogos que é a trindade do Diabo – mas a Ciência mostra que o verdadeiro nome do Diabo é Homo sapiens. O homem não pode viver sem uma certa ebriedade – l’ebbrezza [Lobato grafa a palavra com dois bs, corrigindo o erro da passagem anterior]. Bebida é ebbrezza. Mulher é ebbrezza. Jogo é ebbrezza. Fisiológica e psicológica. Bem-aventurada sejas tu, ó humaníssima trindade! [10]
O jogo se afigura domínio dionisíaco, sinônimo de arrebatamento, embriaguez dos sentidos, loucura que impele os seres humanos. Numa palavra que o escritor vai buscar na língua italiana: l’ebbrezza. Culmina em chave humorística, numa linguagem paródica, que subverte o sagrado para ironicamente cultuar o profano. Ao que tudo indica, Lobato não conhecia estudos como o de Freud, Os chistes e sua relação com o inconsciente, publicado em 1905, e o ensaio “O Humorismo”, do dramaturgo italiano Luigi Pirandello, de 1908, que tratavam a linguagem como manifestação de jogo. Anos à frente, em 1938, não teria mais do que se queixar, pois surgiria uma obra de maior alcance ainda, a antológica Homo Ludens, abordagem culturalista de amplo espectro temporal e temático do holandês Johan Huizinga.
De toda a correspondência, o ano de 1909 é o que revela um Lobato mais envolvido com o jogo de xadrez. É compreensível, pois exercia no momento o cargo de promotor público na pequena comarca de Areias, no Vale do Paraíba, distante cerca de 220 quilômetros de São Paulo. Composta por um valioso conjunto arquitetônico colonial do século XIX, era à época caçoada pelas cidades vizinhas, pois vista como morada de esnobes aristocratas, os propalados barões do café. A julgar pela imersão no mundo do xadrez, pode-se depreender que o futuro autor de Cidades mortas não se sentia muito animado com a provinciana vida social e preferisse o isolamento. Em poucos meses, troca inúmeras cartas com Rangel, onde o xadrez é o mote mais relevante, o que aguça o espírito investigativo e a curiosidade do aficionado, ávido por acompanhar as novidades vindas dos tabuleiros dos dois amigos, mas que vê sua expectativa frustrada pela ausência de pormenores: “De novo em Areias, donde estive ausente quatro meses, venho pedir contas de nossa partida de xadrez, do teu Problema, da tua vida. [...] Aguardo a tua jogada de xadrez” .[11] Por vezes, sem mencionar o seu interlocutor no início da carta, contrariando sua fórmula usual, o xadrez aparece de chofre, o que é revelador da sua importância então: “3ª – PxP (Se você jogar BxP, eu respondo: BR – 3D)” .[12] Perceba o leitor que para acelerar a partida é mandado um lance condicional, mesmo procedimento que aparece no final da próxima carta: “Recebi: C-2D. Respondo: P – 3BR. Você: P-4CR. Eu: P-5R. Se você tomar o P com o C ou com o P, eu jogo: B4R” .[13] Na ânsia de adiantar os lances e tornar a partida menos morosa, Lobato se esquece de anotar o número de cada lance proposto.
O intervalo postal, mesmo que de apenas uma semana, eventualmente suscita algum acidente de percurso da partida, como podemos constatar no início da carta seguinte: “Perdi o meu xadrez e com dificuldade reconstituo o jogo no ponto deixado. Verifique isso e mande-me a série de jogadas. E se estou certo, a minha jogada é P – 5R” .[14]
Na próxima carta igualmente, revelando uma bem humorada irritação do jogador imprevidente:
Ando a reclamar do correio a carta e o conto perdidos. Talvez estejam na agência de Taubaté. Quanto ao xadrez, aconteceu um desastre; como levei para lá o tabuleiro de papelão com as pedras de cartolina enfiadas, desprenderam-se algumas e não consigo recolocá-las propriamente. Se fazes questão de levar por diante essa interminável partida de xadrez, mande-me a posição do jogo no ponto em que paramos .[15]
Lobato chega a demonstrar uma certa ansiedade pela continuidade do jogo, como revela o início da carta subsequente: “Tenho recebido regularmente os teus cartões, e também as notas. Só não me veiu [sic] a tua jogada depois da minha última T4BR” .[16]
Os interlocutores, ora um, ora outro, se mostram tíbios, mas a partida prossegue seu rumo: “O meu xadrez estava errado, mas já retifiquei a posição e continuo; 9 C3BR – D3CR ( na tua carta vem D3CD, mas como não é possível, atribuo-o a engano, troca de R por D). Minha 10) C4T” . [17]
E para encerrar a série de cartas de 1909 em que o xadrez ganha relevância, vem uma sequência de lances sugerida pelo escritor, antes mesmo da data da carta: “Xadrez: 21...P5BR; 22) CxC – TxC; 23) BxP ch – RT; 24) P4TD” .[18]
O senso comum coloca o jogo de xadrez como signo de inteligência, mas ao mesmo tempo de alheamento da realidade exterior ao universo do tabuleiro. Este último aspecto avulta na carta seguinte, quando Lobato confessa a reprimenda que leva do seu futuro sócio na Companhia Editora Nacional, Otales Marcondes Ferreira:
Hoje é o turbilhão e o Otales, uma fera de menino que quer ficar Matarazzo e tem mais negócios na cabeça do que o Frango Sura tem piolhos na trunfa. Até com o xadrez da minha sala se implicou. É um modo de dizer como o D’Argenton do Jack: “A vida não é um romance, Lobato” .[19]
O comentário do amigo empresário é uma espécie de retomada mundana do motivo presente na obra de arte do pintor Gleyre já mencionada, o que se afigura menos fortuito do que pode parecer à primeira vista, pois acreditamos que deixou marcas no comportamento do escritor. Como pudemos abordar, o histórico futuro de Lobato mostram ser infundadas as preocupações de alienação ou coisa que o valha, pois ninguém mais do que ele foi combatente pelas causas que acreditava, basta enumerar suas lutas sempre lembradas, pela universalização da leitura e pela crença na existência do petróleo nacional.
De qualquer forma, o xadrez era o momento do dolce far niente,, liberdade que o ócio lhe possibilita e que vai recordar de maneira saudosa na carta seguinte:
Adeus, rua Boa Vista 52 onde comecei como um espermatozoário! Adeus, salinha do xadrez com os meus surdos, e o Maneco, e o Neiva, e tanta coisa já saudosa! Aquilo lá ainda era ‘arte’. Aqui na Santa Efigênia já somos só cebolas. O ‘Monteiro Lobato & Cia.’ está chegando ao fim. De repente viramos sociedade anônima ou qualquer coisa limitada, e pronto... .[20]
Não nos deixemos enganar pelo típico humor irreverente e de auto-rebaixamento inicial. O tom predominante é de melancolia e de despedida, o que efetivamente se cumpriu. O autor de Urupês se dá conta que está encerrando um ciclo em sua vida, em que o xadrez se enquadra no campo da criação artística, fato incontestável para quem o pratica e uma das possíveis razões de seu encanto milenar mundo afora. A partir daí, o jogo de xadrez não aparece mais na correspondência, como que simbolizando um rito de passagem para uma outra forma de vida, aquela que o sócio e amigo Otales lhe havia cobrado antes. Um tanto quanto frustrados, não ficamos sabendo quem saía vitorioso nas partidas de xadrez dos dois amigos, mas que importa? Não há o que lamentar, os jogos mais que amistosos de décadas serviram para a formação do intelectual Monteiro Lobato, que, na maturidade, próximo dos 40 anos, se concentrará em demonstrações de arrojo empresarial, buscando se afirmar, entre outras iniciativas, nos negócios ligados à edição de livros. Mudam os tempos, mudam os jogos. Criará uma obra literária que encantará o publico infanto-juvenil, de diferentes gerações, garantindo seu lugar entre os maiores autores da literatura brasileira.
BIBLIOGRAFIA
FREUD, Sigmund. Os chistes e sua relação com o inconsciente. Rio de Janeiro: Imago, 1977.
HUIZINGA, Johan. Homo ludens – O jogo como elemento da cultura. 5 ed., São Paulo: Perspectiva, 2004.
IGLÉSIAS, Francisco. Trajetória política do Brasil: 1500-1964. São Paulo: Cia das Letras, 1995.
LAJOLO, Marisa, Linguagem na e da literatura infantil de Monteiro Lobato. InMonteiro Lobato, livro a livro: Obra infantil. LAJOLO, Marisa & CECCANTINI, João Luís (orgs.). São Paulo: UNESP/ Imprensa Oficial, 2008, p. 15-29.
LOBATO, Monteiro. A barca de Gleyre. 2 t. São Paulo: Brasiliense, 1948.
MADEIRA, Wagner Martins. Machado de Assis: homem-lúdico. Uma leitura de Esaú e Jacó. São Paulo: Annablume, 2001.
PIRANDELLO, Luigi. O humorismo. São Paulo: Experimento, 1996.
Sítios na Internet
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gleyre_Charles_Marc_Gabriel_Le_Soir_
Ou_Les_Illusions_Perdues.jpg
www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=1956
www.unicamp.br/iel/monteirolobato.
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NOTAS
[1] A Barca de Gleyre, t. II, p. 198-199, endereçada de São Paulo, no dia 26 de maio de 1919. Os quarenta anos da correspondência de Lobato com Rangel foram publicados originalmente pela Brasiliense no ano de 1944 em dois tomos, intitulados A Barca de Gleyre, doravante denominados pela sigla BdG. Baseio-me nesta nota e seguintes na 2ª edição, publicada no ano de 1948, atualizando a ortografia.
[2] BdG, t. I, p.80-83, carta endereçada de São Paulo, em 15 de novembro de 1904. Vale a pena o leitor conferir a gênese do título da correspondência com Rangel, navegando com Lobato pela metáfora da barca de Gleyre, influência da leitura pelo escritor dos Ensaios de Crítica e História, de Taine, onde há a menção ao quadro citado. Pertencente ao acervo do Louvre, o quadro pode ser consultado no sítio
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gleyre_Charles_Marc_Gabriel
_Le_Soir_Ou_Les_Illusions_Perdues.jpg
[3] Marisa Lajolo, Linguagem na e da literatura infantil de Monteiro Lobato, p. 18. In Monteiro Lobato, livro a livro: Obra infantil, Marisa Lajolo, João Luís Ceccantini (orgs.), UNESP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. A pesquisadora citada é idealizadora e responsável pelo sítio www.unicamp.br/iel/monteirolobato, maior acervo de investigação acadêmica da vida e obra do autor de Reinações de Narizinho.
[4] BdG, t. I, p. 55, endereçada de Taubaté em 20 de janeiro de 1904.
[5] Francisco Iglesias, Trajetória política do Brasil – 1500 – 1964. Cia das Letras, 1995, p. 210.
[6] BdG, t. I, p. 158, enviada de Taubaté, em 02 de abril de 1907.
[7] BdG, t. I, p. 234, endereçada de São Paulo, em 05 de fevereiro de 1909. Cabe aqui um esclarecimento ao leitor, para que possa entender o conteúdo das cartas que se refiram ao xadrez. O sistema de anotação usado por Lobato é chamado de descritivo, em que as peças são nomeadas por suas iniciais maiúsculas: peão=P; bispo=B; cavalo=C; torre=T; rei=R; dama (e não rainha, para distinguir da mesma inicial R, de rei)=D. Quando há uma captura, usa-se o sinal X. A anotação descritiva enseja confusões (a correspondência de Lobato e Rangel é prova disso) e foi substituída oficialmente nos anos de 1980 pela Federação Internacional de Xadrez pela anotação algébrica, mais sintética e exata, que usa as letras de a até hpara identificação das oito colunas do tabuleiro, ao invés das alas da dama e do rei, utilizadas na anotação descritiva.
[8] Sobre Machado de Assis e o jogo de xadrez, confira de minha autoria “O enxadrista”, p. 40-45. In Machado de Assis: homem-lúdico. Uma leitura de Esaú e Jacó, Annablume, 2001. En passant, Machado apreciava a arte da composição de problemas de xadrez. De sua autoria pode ser consultado um problema de xeque-mate em dois lances no endereço www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=1956, publicado originalmente na Revista “Ilustração Brasileira”, edição de 15 de junho de 1877.
[9] BdG, t. II, p. 36, enviada de Santos, em 30 de junho de 1915.
[10] Idem, ibidem, p.36-37.
[11] BdG, t. I, p 236-237, enviada em 03 de maio.
[12] BdG, t. I, p. 251, enviada em 06 de julho.
[13] Idem, p. 260, enviada em 15 de agosto.
[14] Idem, p. 261, enviada em 22 de agosto.
[15] Idem, p. 267, enviada em 02 de setembro.
[16] Idem, p. 270, enviada em 06 de setembro.
[17] Idem, p. 276, enviada em 23 de setembro.
[18] Idem, p. 277, enviada em 23 de outubro. [19] BdG, t. II, p. 214-215, enviada de São Paulo, no dia 15 de março de 1920. D’Argenton é personagem do romance Jack, de 1876, do escritor francês Alphonse Daudet (1840-1897).
[20] BdG, t. II, p. 243-244, enviada de São Paulo no dia 25 de janeiro de 1922.
A preferência pelo jogo de xadrez não é obra do acaso. Há uma faceta biográfica de Machado de Assis que pode ser um caminho interpretativo da obra: foi enxadrista apaixonado, pioneiro na participação de torneios no Brasil. Diversas vezes manifestou interesse por esta prática, no que contém de possibilidades quase infinitas de manipulação estratégica, jogo no qual o homem pode elevar o raciocínio aos domínios da criação estética, no entendimento de que é um campo de manifestação artística, como querem muitos de seus aficionados.
Huizinga, por sua vez, classifica o xadrez como jogo de excessiva seriedade, no qual a alegria é subtraída, pois o fator sorte quase inexiste. Para ele, a noção de jogo é essencialmente ditada pela alegria e diversão. Prega a esterilidade do xadrez, no campo da cultura, já que fascina apenas os seus praticantes, não sendo um jogo social, no qual há a participação efetiva de uma comunidade. Sobre a esterilidade do jogo de xadrez muitos outros se manifestaram. En passant, podemos citar de memória um aforismo tautológico de Millôr Fernandes, nas páginas de humor da revista “Veja” [?]: “O xadrez é um jogo que desenvolve a inteligência pra jogar xadrez”. Edgar A. Poe via pouca humanidade nele, no sentido de que é necessário um excessivo auto - controle para se jogar uma partida. Segundo ele, o ser humano tem como uma de suas características básicas a falibilidade, que no xadrez é negada ao jogador. Cita como exemplo de medida das possibilidades humanas o jogo de damas, no qual há um maior controle das situações de jogo[1]. Por outro lado, Marcel Duchamp afirma: “Todo jogador de xadrez é um artista”. Fernando Arrabal envereda pela mesma variante: “O xadrez pode constituir uma utopia, que admite um único privilégio: o enriquecimento espiritual do artista”[2].
A afirmação de que o xadrez não é um jogo social tem importância decisiva porque através dela poderemos esclarecer as bases do pensamento de Huizinga e aprofundar questões esboçadas anteriormente sobre as motivações do enxadrista Machado de Assis. A idéia do jogo para Huizinga está associada à pureza do mito, na sua manifestação primitiva, não contaminada por influxos civilizatórios da modernidade, que trouxeram a mentalidade individualista exacerbada, o desejo de vencer a qualquer custo, a massacrante rotina de competição que dessacraliza o jogo. Para ele, o jogo situa-se no domínio do sagrado, expressão de uma totalidade cósmica, no qual há uma ordem de natureza comunitária, não individual.
Tais considerações não colocariam em xeque a viabilidade de relacionar o jogo de xadrez à adoção de uma deliberada postura estética? Por paradoxal que possa parecer, reforçam, em certa medida, a relação. O que em aparência são debilidades assume contornos diferenciados em Machado. O principal argumento de defesa vem de Umberto Eco, que faz um desmonte do Homo ludens, uma crítica incisiva[3]. Considera que no livro não há esquemas e fórmulas e o material não é ordenado sistematicamente por não se estar interessado em dizer qual é o jogo e como funciona, mas no fato de que o jogo é jogado. Eco sugere que o jogo poderia ser estudado como langue e não como parole, competence e não como performance. Condena a ausência de uma gramática, de uma teoria do jogo, do comportamento lúdico. Huizinga podia estudar o jogo jogante, o jogo que nos joga, e estuda o jogo jogado, e o hábito de jogar. Determina, sem sabê-lo, o preço que sua teoria deve pagar por não ter sabido ver o jogo como linguagem e como matriz, assim como a linguagem analisa os meios da linguagem com os meios da linguagem. Desse modo, jogo e seriedade não se oporiam como duas opções mutuamente exclusivas, mas como os dois pólos de uma dialética em que o jogo controla a si próprio, e o metajogo é o momento “sério”, que repele o jogo-objeto entre os jogos a serem requalificados.
Eco vai mais longe, reprova Huizinga por ter desconsiderado as implicações econômicas e sociais do jogo, deixando de lado o instrumental marxista. Para o ensaísta italiano, na verdade, a cultura não foi concebida radicalmente como jogo, jogo que se joga até quando uma das suas formas se levanta contra uma outra para negá-la. Jogo que por si só já é sério, porque é condição da vida social; jogo que não é gratuito porque a desestruturar os jogos ou opções de jogo diferentes está a pressão do momento material, que se dilui em jogo mas que nasce como coisa bem diferente.
Em outro contexto, Christopher Lasch compõe com Eco, no tocante à seriedade do jogo: “O próprio Huizinga, quando escreve, mais dizendo sobre a teoria do jogo do que sobre o colapso do ‘jogo genuíno’ em nossos próprios dias, compreende muito bem que o jogo, na melhor das hipóteses, é sempre sério; de fato, que a essência do jogo repousa no levar a sério atividades sem propósito que não servem a nenhum fim utilitário”[4]. En passant, podemos citar também Gilles Deleuze, que defende, entre outras ilações, a seriedade e materialidade do jogo: “Seja o homem que faz a aposta de Pascal, seja Deus que joga o xadrez de Leibniz, o jogo não é tomado explicitamente como modelo a não ser porque ele próprio tem modelos implícitos que não são jogos: modelo moral do Bem ou do Melhor, modelo econômico das causas e dos efeitos, dos meios e dos fins”[5]. No desfecho do ensaio, Eco ironiza a afirmação de Huizinga de que o jogo acabou. De acordo com o autor de Obra aberta é preciso continuar jogando, mesmo sem a ajuda de Huizinga.
O xeque-mate de Eco nos estimula a prosseguir: o xadrez está associado, no entendimento comum, ao raciocínio e inteligência. Isso o coloca no domínio da seriedade. Ao mesmo tempo, como jogo que é, a alegria se faz presente. Na combinação dialética de seriedade e alegria, reside parte do fascínio do xadrez. Como vimos, não é por acaso que Machado praticava o gamão e o xadrez, dois jogos que exigem concepção estratégica e que minimizam o fator sorte. Os jogos de azar e assemelhados (jogo do bicho, loterias, corrida de cavalos, briga de galos, etc.) constituem-se para o escritor em verdadeiras mazelas da vida brasileira. A obra apresenta vários exemplos nos quais se volta contra estas práticas. O trecho seguinte, já citado anteriormente, é categórico para ilustrar a questão: “... é um jogo [xadrez] que não admite quinielas e, apesar de ter cavalos, não se dá ao aperfeiçoamento da raça cavalar, como os vários derbys deste mundo”[6].
Havíamos mencionado que Machado foi compositor e solucionista de problemas de xadrez, sabidamente a forma mais artística do jogo[7]. Na mesma linha, o próprio Huizinga nos oferece um outro argumento de defesa quando diz que “o jogo em suas formas mais complexas está saturado [sic] de ritmo e harmonia, que são os mais nobres dons de percepção estética de que o homem dispõe”[8]. Pois bem, Machado não veria no xadrez um laboratório de idéias, um treinamento, naturalmente de outra ordem, para seu prodigioso intelecto? Uma possível resposta para esta questão, a título de arremate: “Sua estética é assim mais da inteligência, controlando a sensibilidade. É uma estética de cunho clássico, na qual, como disse Mário Casassanta, o que predomina é o sentimento de disciplina, da responsabilidade do escritor, da dificuldade da tarefa, da necessidade do esforço refletido, do estudo dos modelos”[9].
Ocorre que Machado encontrou no jogo de xadrez um meio para a manifestação de sua complexa personalidade. Como afirma Lúcia Miguel Pereira, é impossível estudá-lo dissociando vida e obra, o homem e o artista estão estreitamente ligados. Para ela, o cérebro do escritor está sempre em atividade, detentor que é de um raciocínio implacável (seu único meio de conhecimento) e de uma soberba inteligência para compreender a fraqueza humana. Um homem marcado pelo estigma da cor numa sociedade ainda escravocrata, reconhecidamente reservado, intelectual dotado de uma compreensão cosmopolita que ia muito além das mesquinharias da corte, o escritor refugiou-se no universo do tabuleiro de xadrez, jogo de simbolismo milenar, metonímia de uma totalidade não maculada pelas injunções da realidade. Isso nos remete à questão simbólica do xadrez, jogo que permeia várias culturas desde tempos remotos. De onde vem a força propulsora do jogo milenar que encantou Machado e ainda o faz com tantos outros aficionados?
O simbolismo do jogo liga-se claramente ao da estratégia guerreira. Na Índia, provável local de sua origem, o número 4 (chátur, que originou chaturanga, o primitivo xadrez indiano) representa o símbolo do Cosmos nos quatro horizontes, onde o preto e o branco, a sombra e a luz, o mal e o bem se misturam e se conjugam. O tabuleiro simboliza nas 64 casas (64: número da realização cósmica) o Vastupurushamandala que serve de esquema para a construção dos templos, para a fixação dos ritmos universais, para a cristalização dos ciclos cósmicos. É, portanto, “o campo de ação das potências cósmicas”(Burckhardt), campo que é o da terra (quadrada), limitada nos seus quatro orientes. O tabuleiro simboliza ainda a aceitação e o domínio da alternância, como observa Roger Callois: “alternância das casas brancas e negras, tal como nos dias e nas noites, alternância de entusiasmo e de controle, de exaltação e de contenção de desejos, principalmente porque, numa extensão como essa, absolutamente coerente, não há peça alguma que não tenha repercussão sobre as demais”. O I Ching, livro místico chinês, compõe-se de 64 hexagramas que representam a trama do mundo manifestado, tecido de sombra e luz, em que se alternam o Yin e o Yang[10]. O xadrez também já recebeu uma interpretação psicanalítica, do Dr. Ernest Jones, de que seria um jogo onde o xeque-mate ao rei simbolizaria a morte do pai[11].
É necessário esclarecer ainda que o jogo de xadrez, à época de Machado, era uma prática elitista, quase aristocrática. Deste modo, o escritor, ex-agregado, pôde freqüentar o Club Fluminense, ponto de encontro “da nata da sociedade da Corte”[12]. Corria o ano de 1868, período no qual era um mero ajudante de Diretor do Diário Oficial, não tendo ainda publicado os livros pela Casa Garnier.
Convicções estéticas, apelo simbólico, ascensão social, como se vê sobram motivos para entender o apego de Machado ao jogo de xadrez. Se não bastassem todos eles, seria suficiente a pura alegria de jogar, homem-lúdico, sem a peculiar sobriedade, um quase outro Machado: “... um jogo delicioso, por Deus! imagem da anarquia, onde a rainha come o peão, o peão come o bispo, o bispo come o cavalo, o cavalo come a rainha, e todos comem a todos. Graciosa anarquia, tudo isso sem rodas que andem, nem urnas que falem!”[13].
[1] Os crimes da Rua Morgue, pp. 111-112. A boutade de Millôr foi incluída posteriormente em Millôr definitivo: a bíblia do caos, verb. X, p. 499.
[2] F. Arrabal, Mitos em xeque, p. 16; a citação de Duchamp, p. 205.
[3] U. Eco, “Huizinga e o jogo”, pp. 269-285, in Sobre os espelhos e outros ensaios.
[4] C. Lasch, A cultura do narcisismo - A vida americana numa era de esperanças em declínio, p. 142.
[5] G. Deleuze, Lógica do sentido, p. 62.
[6] “A Semana”, crônica de 19-08-1884. Apud H. Gomes Mathias, Anais do Museu Histórico Nacional , Rio de Janeiro, XIII, 1952, p. 180.
[7] Mathias, op.cit., p. 161, reproduz o problema composto por Machado, publicado na “Ilustração Brasileira”, 15-06-1877 e, posteriormente, em versão corrigida que elimina uma solução dual, em a “Caissana Brasileira”, 1898, folha 11. H.C. Van Riemsdyk publicou esta versão final em “O Estado de São Paulo”, [?].
[8] Homo ludens, pp. 9-10.
[9] Apud Afrânio Coutinho, “Machado de Assis na literatura brasileira”, in Machado de Assis - Obra Completa, v.1, p. 55. Os grifos são meus.
[10] Jean CHEVALIER, Alain GHEERBRANT, Dicionário de símbolos, verb. Xadrez, adapt., pp. 966-967.
[11] In The 64-squares looking glass, p. 10. É notória a recusa da cor em Machado, fato extensamente comentado por seus biógrafos. Seu pai, o pintor e dourador Francisco de Assis, era mulato. Fica a pergunta: seria fantasiosa a interpretação psicanalítica de uma simbólica pulsão parricida do Machado enxadrista?
[12] Mathias, op. cit., p. 144. Mais adiante, informa que Machado participou do 1º Torneio de Xadrez realizado no Brasil, em 1880, ficando em 3º lugar. O campeão foi o pianista português radicado no Rio de Janeiro, Arthur Napoleão, supostamente quem havia iniciado Machado na prática do jogo.
[13] “A Semana”, 19-08-1894, Jackson, v. 2, 1938. Apud Mathias, op. cit., p. 180.
Partida Dr. Carlos Pradez (Brancas) – Machado de Assis (Pretas) Rio de Janeiro – 08/05/1880.
Jogada na casa do pianista Artur Napoleão, supostamente no 1º Torneio de Xadrez realizado no Brasil, no qual tomaram parte 06 enxadristas, dentre eles o futuro Campeão Brasileiro Caldas Vianna, uma das glórias do xadrez nacional. Ao que tudo indica o referido torneio teve como sistema quatro turnos de disputa, mas foi interrompido próximo do seu final, quando Machado ocupava a 3ª colocação.
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e4 c5; 2-d4 cd4; 3- Cf3 Cc6; 4- Cd4 Cf6; 5- Cc6 bc6; 6- Bd3 e5; 7- Cc3 Be7; 8- 0-0 0-0; 9- f4 Bc5; 10- Rh1 d6; 11- Ca4 Bb4; 12- a3 Ba5; 13- b4 Bc7; 14- fe5 Cg4; 15- Bf4 de5; 16- Bg3 Ce3; 17- Df3 Cf1; 18- Tf1 a5; 19- Cc5 ab4; 20- ab4 Dd4; 21- Be1 Bb6; 22- c3 Dd6; 23- Bf2 Bc7; 24- Bc4 Dg6; 25- Bg3 Be6; 26- Ce6 fe6; 27- De2 Tf1; 28- Df1 Bd6; 29- De1 h5; 30- h3 Ta3; 31- Rh2 Ta8; 32- Dd2 Td8; 33- De1 Te8; 34- Bb3 Df6; 35- h4 Tb8; 36- Dd1 Td8; 37- Dh5 g6; 38- Dg4 Rf7; 39- De2 Th8; 40- Bd1 Bf8; 41- Dc4 Bh6; 42- Dc6 Bf4; 43- Dc7 De7; 44- De7 Re7; 45- Rh3 Bg3; 46- Rg3 Tc8; 47- b5 Tc3; 48- Rg4 Tc4; 49- Rf3 Tb4; 50- Be2 Rf6; 51- Re3 Td4; 52- Bd3 Td6; 53- Rd2 Tb6; 54- Rc3 Re7; 55- Rb4 Rd6; 56- g4 Tb8; 57- h5 gh5; 58- gh5 Th1; 59- Ra5 Th5; 60- Rb6 Th1; 61- Rb7 Rc5; 62- b6 Td1; 63- Bc2 Td6; 64- Rc7 Tb6; 65- Rd7 Rd4; 66- Re7 Tb2; 67- Ba4 Re4 (E as brancas abandonam).
Problema de xadrez composto por Machado de Assis
MACHADO DE ASSIS,
O ENXADRISTA
WAGNER MARTINS MADEIRA
Mate em dois lances